A migração de
alemães e descendentes para Santa Maria, desde as antigas colônias da região de
São Leopoldo, começou no início da década de 1830 e continuou durante a Guerra
dos Farrapos. Na florescente povoação santa-mariense, os alemães que, durante o
conflito, garantiram as atividades de comércio e produção, mantiveram sua
hegemonia em tempos de paz. Na época de sua emancipação política, em 1858, Santa
Maria era visivelmente alemã em quase todas as atividades: comerciantes,
alfaiates, curtidores, lombilheiros, ferreiros, pedreiros, ourives, sapateiros,
marceneiros etc.
Isso atraiu,
cada vez mais, a migração para Santa Maria, desde aquelas colônias, onde as
famílias aumentavam e as terras escasseavam. Grupos familiares, às vezes
numerosos, deslocavam-se para a vila santa-mariense e para a recém-fundada
Colônia do Pinhal, hoje Itaara.
Deutscher Hilfsverein
A forte
presença germânica em Santa Maria, em meados do século 19, e o tradicional
associativismo da etnia geraram a organização de sociedades. Em 1866, foram
fundadas a Deutsche Evangelische Gemeinde (Comunidade Evangélica Alemã) e o Deutscher
Hilfsverein. Essa sociedade, mais tarde também denominada Sociedade
Beneficente Alemã, foi criada para amparar os imigrantes recém-chegados a Santa
Maria ou em trânsito, numa época de intensa imigração.
A fundação e os 18 fundadores
A ata de
fundação e as seguintes, nos primeiros 47 anos da sociedade, não foram
conservadas, mas o extenso noticiário no Diario
do Interior e em A Razão, em
1936, referente aos 70 anos de fundação, contém valiosas informações.
Otto Brinckmann Presidente fundador |
A comemoração iniciou com a celebração, pelo
Pastor Daniel Kolfhaus, de um culto memorial na Igreja Evangélica Alemã.
Depois, na sede social à Rua Venâncio Aires, houve uma sessão solene, presidida
pelo sócio mais antigo, Ildefonso Brenner, 74 anos, que passou a palavra ao jornalista
José Garibaldi Filizolla, orador do evento, em português. No discurso, ele
disse que havia 70 anos, em 28.10.1866, 18 alemães e descendentes, numa nobre
manifestação de solidariedade humana, fundaram uma agremiação “com o elevado
propósito de amparar os sócios, moral e materialmente, quando a situação o
exigisse, bem como aos demais patrícios e seus descendentes que necessitassem
de amparo”. Prestou homenagem aos fundadores, enunciando seus nomes “com o
maior respeito e saudade, todos falecidos”, a seguir citados com seus cargos na
primeira diretoria:
Otto
Brinckmann (presidente), Franz Weinmann (vice-presidente), Wilhelm Fischer
(secretário), Peter Cassel (tesoureiro), Nicolaus Ehlers, Philipp Jacob
Schirmer, Jacob Maurer e Jacob Krebs (diretores); e mais 10 fundadores: Abraham
Cassel, Augusto Morsbach, Carlos Lampert, Heinrich Friedrich Eggers, Johann
Heinrich Druck, Miguel Adamy, Nicolau Becker, Pedro Weinmann, Peter Brenner e
Theodoro Weber.
Outros dirigentes fundadores. Desde a esquerda: Franz Weinmann, vice-presidente; Wilhelm Fischer, secretário; Peter Cassel, tesoureiro; Philipp Jacob Schirmer, diretor |
Logo depois,
discursando em alemão, o Pastor Kolfhaus destacou a atividade e dedicação dos
fundadores pelo progresso da sociedade e apresentou um histórico, referindo-se
aos benefícios prestados aos sócios e à coletividade. Concluiu incitando os germânicos
locais a, unidos, “propugnarem pelo progresso do Deutscher Hilfsverein, a exemplo do que por ele fizeram os seus
antepassados”.
O discurso de
Filizolla incluiu a valiosa informação de que “a sessão de fundação teve lugar
na casa do Sr. Otto Brinckmann, onde é hoje a residência do seu genro, o Sr.
Candido Souza.” Era um casarão na Rua do Comércio, hoje Segunda Quadra da Rua
Doutor Bozano. Em 1950, a propriedade foi vendida a Reinoldo Emilio Block, que ali mandou construir o Edifício Block, nº 1058.
A seta indica a casa de Otto Brinckmann, local da fundação do Deutscher Hilfsverein.. Detalhe de foto de Bortolo Achutti, na 2ª metade dos anos 1940. |
Em 1936,
estava disponível a documentação referente a esses dados, inclusive a ata de
fundação, pois quatro anos antes, na inauguração da sede, o orador João Geiger
Bonuma citara o “velho livro da sociedade [...] no cursivo caprichoso de
Guilherme Fischer [...]”
Por essas
razões, causa estranheza a relação de 71 fundadores em História do Município de Santa Maria (1933), cujo autor, João Belém, certamente teve acesso à mesma
documentação. A hipótese mais provável é que, feita a ata, após a assinatura do
presidente, novos associados passaram a assiná-la, sem apresentá-la antes aos
fundadores.
Mais uma vez
se revela a importância das hemerotecas do Arquivo Histórico Municipal e da
Casa de Memória Edmundo Cardoso ante o lamentável extravio dos arquivos
institucionais.
Carl Ferdinand Otto Brinckmann
Esse era o
nome completo do primeiro presidente, sem dúvida o líder da fundação do Deutscher Hilfsverein – hoje SOCEPE. Além
de encabeçar a diretoria, a reunião fundamental foi realizada em sua casa.
Ele veio ao
Brasil, em 1851, com 25 anos de idade, como capitão de artilharia entre os cerca
de 2000 militares do exército prussiano, contratados pelo Império Brasileiro
para a Guerra contra Oribe e Rosas. Era, portanto, um Brummer, apelido pelo qual esses militares ficaram conhecidos. Depois
de licenciado, estabeleceu-se em Santa Maria, supostamente em 1855, como
agrimensor, ofício que conhecia, por ser oficial artilheiro. É de autoria de
Brinckmann um dos mais antigos mapas do traçado urbano da cidade, datado de
1861.
Faleceu em
4.1.1903 e foi sepultado no Cemitério Evangélico Alemão, hoje incluído no
Cemitério Municipal. A SOCEPE efetuou, recentemente, a restauração de seu
túmulo onde afixou uma lápide em homenagem aos fundadores, citando os membros
da primeira diretoria.
Transformações – SOCEPE
Anos depois, a
Sociedade Beneficente Alemã tornou-se de amparo mútuo. Até 1939, mantinha e
abrigava, no salão do segundo pavimento, o Colégio Brasileiro-Alemão e no
pavimento inferior, o restaurante da sociedade.
Sede do Deutscher Hilfsverein, Sociedade Beneficente Alemã,depois Sociedade Concórdia, demolida em 1982. No local,hoje está a sede central da Socepe. |
Em decorrência da declaração de
guerra à Alemanha, em 1942, a sociedade foi desativada e o salão requisitado
para uso do Círculo Militar. Anos após o término da guerra, alguns sócios mais
antigos, num trabalho demorado e pertinaz, conseguiram a devolução do patrimônio.
Entretanto, a Sociedade teve dificuldades para se reerguer, embora o
restaurante, que funcionava terceirizado, fosse, durante largo período, o
melhor da cidade. O nome fora mudado para Sociedade Concórdia, denominação
adotada, durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, por várias outras
sociedades de matriz cultural alemã, no país. Concórdia é acordo, paz, harmonia
de vontades e opiniões.
Em 7 de julho
de 1966, um século após a fundação, reuniram-se em assembleia geral os
associados da Sociedade Concórdia e do Clube de Caça e Pesca de Santa Maria
que, por maioria absoluta, aprovaram sua fusão. Ambas eram presididas por Horst
Oscar Lippold, o que favoreceu a aceitação da proposta.
Surgia, assim,
a Sociedade Concórdia Caça e Pesca, o grande clube que conhecemos pela sigla
SOCEPE, com sede central no mesmo antigo endereço da Rua Venâncio Aires nº1596
e sede campestre em Itaara, com área de 50 hectares.
150 anos
Na assembleia
geral de 29.7.2013, convidado pelo então presidente João Carlos Provensi e pelo
patrono Horst Lippold, apresentei a justificativa para que a data de fundação do Deutscher Hilfsverein fosse adotada como
aniversário da SOCEPE.
A assembleia
aprovou a proposta por unanimidade e, assim, a SOCEPE, a mais antiga sociedade
de
Santa Maria e uma das mais antigas do Estado, ostenta, com justo orgulho, em
sua identidade visual, o ano de sua fundação, e neste 28 de outubro de 2016, comemora seus 150 anos de existência.----------------------------------------------------------------------------
Nota - A matéria desta postagem foi publicada no jornal A Razão, de S. Maria, na edição de 29.10.2016
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Fontes:
Arquivo Histórico Municipal de S. Maria: Diario do Interior, ed. 27.11.1936 e 1.12.1936. A Razão, ed. 1.12.1936.
Arquivo pessoal
Casa de Memória Edmundo Cardoso.
Revista Commemorativa do Centenario de Santa Maria, 1914.
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