sábado, 9 de julho de 2022

ILDEFONSO BRENNER (I)

   


 Recentemente, meu filho Sergio Leonardo Brenner leu em um site que Ildefonso Brenner foi ator no teatro amador e perguntou-me a respeito. Isso instigou-me a postar, em duas publicações, um resumido texto sobre meu avô materno.
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Ele nasceu em 13 de junho de 1862, primogênito do imigrante alemão Franz Karl Brenner, aqui chamado Carlos Brenner, e da santa-mariense Christiana Hofmeister, filha de Mathias Hofmeister, também imigrante alemão.

Tendo nascido no Dia de Santo Antonio, seus pais quiseram chamá-lo de Ildefonso Antonio, como se lê na anotação que o pai, Carlos, escreveu na folha de guarda de sua Bíblia luterana que recebera quando de sua confirmação na terra natal, Ellweiler, em 20.11.1845:

Ildefons Antonio Brenner geboren den 13 Junio 1862

    Franz Karl escreveu "Junio" misturando o Juni alemão com o junho português.

    Nas religiões cristãs, a Confirmação é o rito que complementa o Batismo, transformando as pessoas em membros plenos da comunidade, permitindo-lhes a participação na Eucaristia.

A data do nascimento consta no registro de batismo, em 24 de setembro do mesmo ano, feito pelo Padre Antonio Gomes Coelho do Valle, que omitiu o prenome Antonio. Filho de pai luterano e de mãe católica, Ildefonso foi batizado católico, até mesmo porque a Comunidade Evangélica Alemã de Santa Maria só seria fundada quatro anos depois.

A boa situação financeira de Carlos Brenner (Franz Karl Brenner, meu bisavô imigrante), obtida por seu trabalho, permitiu-lhe investir na educação dos filhos. Assim como as famílias luso-brasileiras abastadas, nas províncias, mandavam os filhos estudarem no Rio de Janeiro, na "Corte", como diziam, Carlos Brenner enviou seu primogênito, o jovem Ildefonso, para completar sua educação na Alemanha.

Carlos Brenner havia prosperado inicialmente com sua alfaiataria depois como comerciante, em Santa Maria. Era natural que ele desejasse que seu primogênito seguisse sua profissão. Carlos aprendera seu ofício de alfaiate em Porto Alegre, poucos anos após ter imigrado, ainda adolescente, mas ele queria para Ildefonso a melhor formação de que tinha notícia. Certamente, no decorrer de sua formação e de sua atividade profissional, ele tomara conhecimento da Academia Europeia de Moda, em Dresden. Essa escola técnica fora fundada em 1850, como Deutsche Akademie der Höheren Bekleidungskunst, Academia Alemã de Alta-Costura tornando-se, mais tarde, a famosa Europäischen Moden-Akademie, Academia Europeia de Moda. Os alunos aprendiam contabilidade, aritmética, letras, estilística, idiomas etc. e, principalmente, método de corte e feitio. Passavam por um treinamento técnico e científico para poder mais tarde alcançar a liderança de um negócio maior.

A Academia havia diplomados alunos da Alemanha, Suíça, Polônia, Rússia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Bélgica e França.  Em 1893, a Academia recebeu Medalha de Ouro na Feira Mundial de Chicago.   

 O jovem Ildefonso, com idade de 20 a 23 anos, permaneceu em Dresden, durante cerca de quatro anos, provavelmente entre 1880 e 1884. Formado em alfaiataria, voltou à sua cidade natal, mas nunca exerceu a profissão de seu pai. Entretanto, sua formação europeia e seu treinamento para assumir liderança foi útil para suas posições em Santa Maria. 


    Entre as referências materiais do período em que Ildefonso esteve na Alemanha, há um livro de Schiller, adquirido em Dresden, em 30 de março de 1884, conforme ele anotou na folha de guatda, sob sua assinatura. O livro é o nono volume de Schillers Sämtliche Werke (Obras Completas de Schiller), contendo pequenos trabalhos sobre História e algumas obras póstumas para teatro. 

Ildefonso tinha então 21 anos de idade. Dresden, chamada a “Florença do Elba”, era um importante centro de cultura da Europa, considerada uma das mais belas cidades do mundo. Sem alvos militares, desafortunadamente, foi a mais castigada pelos bombardeios norte-americanos e britânicos na Segunda Guerra, que atingiram cruel e extensamente a população civil, matando cerca de 25.000 pessoas. Nos bombardeios de 1945, foram destruídos 39 quilômetros quadrados do centro de Dresden.

Com a esperança de encontrar algum registro da passagem de meu avô pela Akademie, escrevi a instituições culturais de Dresden e recebi, em 20.3.2002, uma atenciosa mensagem de Heidrum Reim, historiadora do Dresdner Stadtmuseum. Frau Reim informou-me que edifício da Europäischen Moden-Akademie ficava em Dresden-Neustadt, na Nordstrasse, N. 20.    Nos bombardeios à noite de 13 para 14 de fevereiro de 1945 foi destruído o edifício da Akademie com seu valioso Departamento de Biblioteca (Fachbibliothek) e a coleção de recursos pedagógicos.

Neustadt é um bairro central de Dresden, na margem direita do Rio Elbe. Apesar do nome (Neustadt é Cidade Nova), é a parte mais antiga da cidade, que se estende em maior área na margem esquerda, com antigos e novos bairros.

   A estada na pátria de seu pai possibilitou a Ildefonso aprimorar sua cultura e o conhecimento do idioma alemão: ele falava fluentemente o Hochdeutsch e citava Goethe de memória. Era considerado o homem culto da família. Hochdeutsch, é a denominação da variante oficial do idioma alemão, utilizada nas escolas, empresas e na mídia impressa. 

Deve ter sido, também, um período muito prazeroso, cujas lembranças o acompanharam por toda a vida. Lembro-me de tê-lo visto, várias vezes, na avançada idade de seus oitenta e poucos anos – eu então um menino de oito a dez anos –, certamente rememorando sua juventude em Dresden, ao benfazejo sol de inverno, que produzia profunda insolação na sala, onde hoje é a loja nº 1061, na Rua Dr. Bozano. Em sua cadeira de balanço, de costas para a sacada, entoava baixinho a valsa “Ja, dann woll’n wir noch einmal, woll’n wir noch einmal, Heirassassa, lustig sein, fröhlich sein Hopsassa.”, e outras canções alemãs.

 De 1881 a 1884, Ildefonso viveu em Dresden, chamada a “Florença do Elba” devido ao seu notável desenvolvimento cultural e artístico. O jovem de vinte e poucos anos aprimorou sua formação cultural.  

Apesar de sua formação em Dresden, Ildefonso não exerceu a profissão de seu pai. Como dizia minha avó Lydia, "ele jamais pegou uma tesoura de alfaiate." Mas seu treinamento na Europäischen Moden-Akademie o levou a posições de liderança.


Comerciante - Voltando da Europa, chegou a Santa Maria em junho de 1884. Assumiu a empresa de seu pai ou abriu sua casa comercial Brenner & Irmão que, em 1902, passou a ser Ildefonso Brenner & Cia., no sobrado da família, situado na esquina noroeste das ruas Dr. Bozano e Serafim Vallandro (foto acima).


               Na fachada do sobrado, a denominação da empresa, em foto de 1908.

Em 1925, fechou a casa comercial e abriu uma loja na esquina das ruas Venâncio Aires e Marquês do Herval, atual Serafim Vallandro, onde hoje há um templo da Assembleia de Deus. A loja chamava-se Depósito Brenner, onde passou a liquidar a grande quantidade da variada mercadoria que restara da anterior casa comercial. Mais de 10 anos depois, ainda anunciava, “a preço de liquidação”, diversos artigos como ferragens, máquinas, esquadrias, móveis, etc.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

ILDEFONSO BRENNER (II)

 

Política

Conselho Municipal – Em 6.11.1891, com 29 anos, Ildefonso Brenner foi eleito para o primeiro Conselho Municipal do período republicano, colegiado que substituía a Câmara de Vereadores do tempo do Império. O Conselho eleito era formado por Frederico Kessler, Astrogildo Cesar de Azevedo, João Daudt Filho, Ildefonso Brenner, Antonio Appel Filho e João Guilherme Weinmann. O Conselho reuniu-se em sessão preparatória no dia 20, quando é apresentado o projeto da Lei Orgânica.

Em 3 de dezembro, realizou-se a instalação do Conselho Municipal, tendo como presidente Frederico Kessler, e como secretário Ildefonso Brenner.

Durou pouco pois, em 23 de dezembro, resignaram os comissários-intendentes e todo o 1º Conselho Municipal. “por não reconhecerem a legitimidade do governo atual e visto achar-se completamente subvertido o regime legalmente constituído no Rio Grande do Sul.”      O citado governo era Junta Governativa gaúcha de 1891, uma tetrarquia (governo exercido de forma conjunta por quatro pessoas) que governou o estado do Rio Grande do Sul entre 1891 e 1892.  Era formada por Assis Brasil, Barros Cassal, Gen. Domingos Barreto Leite e Manoel Luiz Osório (não é o “legendário” Marquês do Herval). A Junta assumiu o governo do R.G.S. em 12 de novembro de 1891, após o golpe de estado de Deodoro da Fonseca. O Governador Júlio de Castilhos foi deposto, em 12.11.1891, por ter-se recusado a apoiar o golpe praticado por Deodoro da Fonseca, quando dissolveu o Congresso Nacional. A oposição chamava a Junta Governativa de "Governicho", diminutivo depreciativo de governo.

 

Atividade classista - Foi presidente, em 1914, da Praça do Comércio de Santa Maria. Foi novamente presidente, em 1924, quando a entidade denominava-se Associação Comercial de Santa Maria que, desde 2003, é a Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Santa Maria-CACISM.

Social - Em 5 de fevereiro de 1888, Ildefonso Brenner, aos 25 anos, foi eleito presidente do Clube Caixeiral, no segundo ano de sua fundação.

Participavam da diretoria meu avô paterno, Pedro Balduíno Brenner, 17 anos, e meus tios-avôs maternos Júlio Laydner, 17, e Júlio Brenner, 20 anos.

Em 28.9.1887, Ildefonso foi um dos fundadores do Clube de Atiradores Santamariense, entre os quais estava Jacob Ludwig Laydner que, 15 anos depois, se tornaria seu sogro.

Em 29.11.1936, como sócio mais antigo, Ildefonso Brenner presidiu a sessão solene referente aos 70 anos da Sociedade Beneficente Alemã, fundada em 28.10.1866 como Deutscher Hilfsverein que é hoje a Sociedade Concórdia Caça e Pesca-Socepe, com 156 anos de história.

Hospital - Em julho de 1898, foi um dos fundadores, como 1º secretário, da Sociedade de Caridade Santa-Mariense, precursora do Hospital de Caridade, do qual também foi fundador, em 24 de dezembro do mesmo ano, no mesmo cargo. Em 23.6.1901, a instituição tornou-se a Associação Protetora do Hospital de Caridade, que existe até hoje, da qual meu pai, Ennio Brenner, foi membro.

Teatro - João Daudt Filho, nascido em 1858, foi o primeiro farmacêutico natural de Santa Maria. Formou-se pela Faculdade de Farmácia do Rio de Janeiro, em 1877. Ele empreendeu a construção do Theatro Treze de Maio e organizou uma sociedade dramática da qual Ildefonso participou ativamente, na diretoria e como  ator amador.

Desde seus 26 anos, quando foi fundada a Sociedade Theatral Treze de Maio, em 1889, até sua extinção, em agosto de 1913, Ildefonso participou ativamente no teatro. Como tesoureiro, ele assinou o convite aos sócios, publicado no Diario do Interior, em 15 de novembro de 1912, para registrarem suas ações, devido à dissolução e liquidação amigável da sociedade.

Na segunda edição de suas Memórias, em 1938, João Daudt Filho, citando seus companheiros de representação teatral na sociedade dramática por ele criada, após a conclusão das obras do teatro, citou que só restava vivo Ildefonso Brenner, o que revela meu avô como um dos atores amadores dos primórdios do Theatro Treze de Maio. De fato, em 1938, meu avô tinha 76 anos de idade e viveu mais 13.

Fortes influências na formação de ambos os levaram à realização do importante empreendimento. Eles tinham experiências de vida em ambientes culturais de grandes cidades onde o teatro era uma atividade em destaque.

João Daudt Filho vivera no Rio de Janeiro como estudante de Farmácia, de 1877 a 81. Em suas Memórias, ele lembrou os espetáculos de ópera, no Teatro D. Pedro II que, com o advento da República, foi renomeado Teatro Lírico.

Ildefonso Brenner passara parte de sua juventude, entre 1881 e 1884, estudando em Dresden, na Alemanha, onde desenvolveu sua formação cultural. Chamada a "Florença no Elba" (Florenz an der Elbe) devido à semelhança entre as cidades - Dresden, na Saxônia e Florença, na Toscana - tanto na arquitetura quanto na paisagem urbana e por terem ambas uma secular história de extraordinária cultura e esplendor artístico. Dresden possuía, entre seus mais valiosos bens edificados a Ópera Semper (Semperoper), obra de Gottfried Semper, importante arquiteto alemão do século XIX. Teatro conhecido e certamente frequentado pelo jovem estudante Ildefonso.