sábado, 1 de maio de 2021

ADOLPH VON WALLWITZ – Um conde alemão em Santa Maria

 

Adolph Esche Graf von Wallwitz nasceu em 15 de janeiro de 1848, em Dresden, filho do Conde Georg von Wallwitz e Maria von Kis-Serény.  (cfme CEGENS - Centro de Estudos Genealógicos do Vale do Rio Pardo)

Brasão dos Condes von Kis-Serény
desde 1656

Dresden era então a capital do Reino da Saxônia (em alemão Königreich Sachsen), existente de 1806 a 1918, membro independente das confederações pós-Guerras Napoleônicas. Com a unificação da Alemanha, em 1871, tornou-se parte do Império Alemão. Em 1918, após a Primeira Guerra Mundial e abdicação do Rei Friedrich August III, a Saxônia tornou-se um Estado Livre da República de Weimar, continuando Dresden como capital.

Situada às margens do Rio Elba, Dresden era chamada "a Florença do Elba" devido à harmonia de sua beleza natural com sua belíssima Arquitetura, intensa vida cultural e artística. Em 1945, nos últimos meses da 2ª Guerra Mundial, a cidade, que não tinha alvos militares, foi quase toda destruída por bombardeios dos aliados, causando uma chacina na população civil. Uma clara intenção de destruir uma das mais belas cidades alemãs.

 

Dresden - das Florenz an der Elbe

Santa Maria

Von Wallwitz emigrou para o Brasil e, em 1873, estava estabelecido em Santa Maria com uma escola na Praça da Constituição, que em 1889 passou a se denominar Praça da República.[1] Instalou a escola no salão da antiga bailanta do alemão Miguel Lau.

João Daudt Filho foi aluno no Colégio Wallwitz. Nascido em Santa Maria, em 1858, ele tinha 15 anos em 1873, quando von Wallwitz chegou à vila e abriu sua escola. Em suas Memórias,[2] Daudt Filho conta que o professor, com cerca de 25 anos, trajava com elegância, tinha "finas maneiras e um bonito rosto de pele rosada, marcado por um extenso gilvaz recente." Referia-se a uma cicatriz que supunha ser consequente de um duelo. Daudt prossegue, contando que alemães e descendentes matriculavam seus filhos no Colégio Wallwitz, mas que também muitos alunos de famílias brasileiras ali estudavam para aprenderem alemão. O colégio chegou a ter 132 alunos.

Durante as aulas, Adolph von Wallwitz fumava um enorme cachimbo, segundo o autor, de "quase um metro", sotando baforadas de fumaça em forma de círculo, o que os alunos depois procuravam imitar, sem sucesso. Além do currículo básico, o professor alemão ensinava desenho, ginástica e canto. Daudt lembra: "No fim das aulas, cantávamos alegres Lieder[3]  alemães, e assim os alunos iam se familiarizando com a língua."


Tipo de cachimbo
supostamente usado
por von Wallwitz
.

Em sua narrativa, João Daudt Filho acrescenta: 

Vestido de caçador, botas amarelas, culote [4] de veludo verde, jaquetão cingido por largo cinturão com fivela de prata, chapéu enfeitado com plumas, trompa a tiracolo, espingarda às costas, com a Diana, perdigueira de raça ao lado, rumava em direção aos campos, à cata de perdigões.

 Naquela época, os caçadores não precisavam se afastar muito da pequena vila santa-mariense. Bastava uma caminhada para além dos limites urbanos a sudoeste, então um pouco adiante de onde hoje fica a Rua Visc. de Pelotas, para chegar às pradarias onde havia muitas perdizes e perdigões.

Adolfo de Walhail ? - A Comunidade Evangélica Alemã (die Deutsche Evangelische Gemeinde)

O registro de sua história, desde a fundação, em 1866, até a década de 1940, tornou-se uma tarefa difícil devido à destruição das fontes primárias. Todos os assentamentos, arquivos, biblioteca e demais pertences da Igreja Luterana local foram destruídos e queimados, durante os ataques sofridos em 19 de agosto de 1942, instigados pelos movimentos antigermânicos, na época da Segunda Grande Guerra. Na criminosa destruição, foram reduzidos a cinzas, 76 anos de história da Comunidade Evangélica Alemã de Santa Maria e também da cidade, pois muitos de seus membros eram pessoas proeminentes na sociedade local. Entretanto, muitos registros de nascimentos e casamentos foram recuperados graças ao registro civil que fora criado para os acatólicos, em 1863.

Registro Civil

Muitas décadas antes da República, D. Pedro II decretou a regulamentação do registro civil, em 17.4.1863, para regularizar a condição social dos acatólicos, isto é, dos imigrantes alemães evangélicos e de seus descendentes. O catolicismo era a religião do Estado e somente seus registros eram reconhecidos. O Decreto do Imperador regulava oregistro dos casamentos, nascimentos e óbitos das pessoas que professavam religião diferente da do Estado”. O 1º capítulo tratava “dos casamentos de pessoas não católicas a quem eram extensivos os efeitos civis dos casamentos católicos.”

Estabelecia as condições para que “pastores das religiões toleradas” pudessem praticar atos de seu ministério religioso, “suscetíveis de produzir efeitos civis.” Para isso, as atas de eleição ou nomeação dos pastores deviam ser registradas na Secretaria do Governo da Província, em Porto Alegre, mediante sua transcrição em livro específico. Atendida essa exigência legal, os casamentos, nascimentos e óbitos de acatólicos, se os interessados desejassem, podiam ser registrados em três livros, com a transcrição de certidão emitida pelo Pastor: Casamentos a cargo do Secretário da Câmara Municipal. Nascimentos e óbitos, a cargo do Escrivão do Juizado de Paz.

Em minhas pesquisas no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, encontrei o valioso documento

SECRETARIA DO GOVERNO DA PROVINCIA

LIVRO DE REGISTROS DE PASTORES DAS RELIGIÕES TOLERADAS

Na fl. 14 verso, a transcrição da ata de “Eleição de Erdmann Wolfram para Pastor Protestante da Communidade Evangelica da Villa de Santa Maria da Boca do Monte” tem o seguinte encerramento:

Santa  Maria  3  de Junho de 1873     Em nome da mesa: o Secretario Adolfo de Walhail – O Presidente Otto Brinckmann    Os mesarios Henrique Druck,  Carlos Müller,  Pedro  Brenner,  Nicolaus Ehlers, Abraham Kassel, Jacob Winck.

Os membros mais instruídos da Comunidade eram escolhidos para secretários da diretoria. Essa circunstância e a presença de von Wallwitz em Santa Maria indicam que o secretário de 1873, der Schriftführer, deveria ser Adolph von Wallwitz e não um inverossímil Adolfo de Walhail. Os sobrenomes Walheil ou Wahlheil existem, mas não os encontrei em minhas pesquisas sobre imigração alemã na região de Santa Maria.

A ata transcrita no citado livro foi assinada pelo secretário, certamente na antiga grafia alemã – die alte deutsche Schrift. Von Wallwitz poderia ter adotado o aportuguesamento de seu nome, inclusive a troca da preposição alemã “von” pela portuguesa “de”.

Apresento abaixo o nome Wallwitz escrito em duas formas, na antiga grafia cursiva alemã.

O 2º Oficial da Secretaria do Governo da Província, Antonio José Lavra Pinto, encarregado da transcrição no citado livro, desconhecedor da paleografia alemã, fez uma errada leitura da assinatura de von Wallwitz. A sequência de letras “lwit” poderiam facilmente ser lidas como “hail”. O problema é o “z” final, a menos que fosse interpretado como um traçado finalizador da assinatura de von Wallwitz

Placa Memorial

Em Os primórdios da Comunidade Evangélica Alemã de Santa Maria (IHG-S.Maria, 1999), comprovei de forma circunstanciada e documentada que uma placa de bronze, afixada no adro do templo, desde 1973, continha erros, entre eles – o mais grave – a troca do nome de um dos dirigentes fundadores, Philipp Schirmer, por um inexistente Philipp Ilmann. Em consequência, fui convidado, em 2001, a uma reunião da diretoria da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Santa Maria, quando sugeri que a placa fosse substituída. Integrei então uma comissão também composta pelo Pastor e alguns membros da Comunidade que aprovou meu projeto de duas placas, uma em memória da fundação da Comunidade, em 1866, e outra em memória da construção do templo, em 1873. Para o conteúdo dessa última, apresentei à comissão os indicativos de que o secretário deveria ser Adolph von Wallwitz, o que foi aprovado.

As placas de bronze, medindo 43 x 70 cm cada uma, afixadas nos pilares internos que sustentam a torre da igreja, foram inauguradas em 5 de abril de 2009, domingo, após o culto memorial dos 143 anos da fundação da Deutsche Evangelische Gemeinde – a Comunidade Evangélica Alemã de Santa Maria

Maçonaria

No ano seguinte à sua chegada a Santa Maria, Adolph von Wallwitz participou da fundação da Loja Maçônica Boca do Monte, em 29.11.1874. Eram 54 fundadores, 25 dos quais alemães e descendentes, alguns já iniciados nessa confraria, em outros locais. Vinte anos depois, o nome, que era apenas uma referência geográfica, foi trocado para Loja Maçônica Paz e Trabalho, portando um conteúdo programático, denominação que mantém até hoje

Santa Cruz

Em 1878, Adolph von Wallwitz habilitou-se como agrimensor e mudou-se para Santa Cruz. Em 6 de fevereiro de 1884, casou-se em Faxinal, Santa Cruz, com Mercedes Ottilie Textor, nascida em 2 de junho de 1863, na Costa da Serra, filha de Carl Textor e Seferina de Oliveira. Costa da Serra é a denominação antiga da região de Trombudo, hoje Vale do Sol, Candelária, Cerro  Branco e arredores.

Von Wallwitz faleceu com apenas 39 anos, em 4 de setembro de 1887, em Faxinal, Santa Cruz, supostamente o atual Bairro Faxinal Velho, a 3 km ao sul da Praça Getúlio Vargas, no centro.



[1] Em 1963, foi rebatizada para Praça Ten. João Pedro Menna Barreto. É popularmente conhecida como. “Praça dos Bombeiros”. Talvez o único caso, no país, em que a denominação de um logradouro que evocava importante evento da história foi trocado pelo nome de uma pessoa.

[2] Memórias/João Daudt Filho – 4ª ed., S. Maria Ed. UFSM, 2003.

[3] Lieder, plural de Lied, significa canção, um tipo peculiar de canção característico da cultura germânica.  

[4] Culote - Calça larga na parte superior e justa a partir do joelho, usada por militares e para montaria, em geral com botas de cano alto ou com perneiras.