No dia 8 de abril de 1866, um expressivo
número de imigrantes alemães e descendentes, moradores em Santa Maria e no
Pinhal, hoje Itaara, fundou a Deutsche
Evangelische Gemeinde, ou seja, a Comunidade Evangélica Alemã, atual Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Santa Maria.
Antecedentes
Alemães e descendentes começaram a se
fixar em Santa Maria, desde 1829, quando chegou à povoação o 28º Batalhão de
Caçadores. Era formado por militares
contratados na Alemanha pelo governo imperial, em 1824, para reforçar o
exército brasileiro.
Enviados ao Sul a pretexto de lutarem na
Guerra Cisplatina, que, entretanto, terminara, foram logo licenciados. Alguns
ficaram em Santa Maria, enquanto muitos outros foram à Colônia Alemã de São
Leopoldo à procura de terras, o que tornou a povoação santa-mariense conhecida
naquela região colonial. Iniciou, então, uma contínua migração de famílias desde as antigas colônias para Santa Maria, mesmo durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845), que
se tornou mais intensa após o conflito.
Em meados do século XIX, era muito
marcante a presença germânica em Santa Maria. Isso levou BELÉM (1933) a escrever
que, na época, a localidade parecia “fundada por alemães, em razão dos nomes
germânicos que ostentavam as tabuletas e letreiros de todos os estabelecimentos
comerciais e oficinas.”
A maioria dos alemães professava a
religião evangélica luterana e, durante as mais de três décadas que antecederam
a fundação da Comunidade Evangélica Alemã de Santa Maria, eles socorreram-se
dos ofícios da Igreja Católica para celebrar seus casamentos e batismos. Sua fé
cristã e seus costumes os levavam a legitimar suas famílias segundo a tradição
religiosa.
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Peter Cassel - Tela de H. Calgan 1890 acervo: Casa de Memória Edmundo Cardoso |
Em 1860, os alemães luteranos, sob a liderança do alfaiate
Peter Cassel, obtiveram do governo provincial uma área de pouco menos de
2.000 m² para instalar o Cemitério Evangélico, que, no início dos anos 1940, foi incorporado ao Cemitério
Municipal.
A concessão da área, seis anos antes de os peticionários se organizarem em uma Comunidade,
revela a existência, havia algum tempo, de um grupo unido e com iniciativas
tendo à frente lideranças atuantes e influentes.
Um
desses pastores foi Erdmann Georg Richard Ernst Wolfram que, durante seu
pastorado em Santa Cruz, realizou visitas periódicas para dar assistência
espiritual aos evangélicos santa-marienses. Segundo MÜLLER (1986), em uma
visita a Santa Maria, em 1853, o Pastor Wolfram participou de uma tentativa de
fundação da Comunidade. Embora não tenha se efetivado, a intenção revela ações
nesse sentido.
Fundação
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Pastor Borchard celebrou o culto no dia da fundação |
Em 1866, havia em Santa Maria um grande
número de alemães e descendentes, conseqüente da contínua migração, desde
as antigas colônias, iniciada 35 anos antes, e de imigrantes chegados diretamente à vila. Na fundação da Comunidade
Evangélica, uniram-se os alemães luteranos da vila santa-mariense e um pequeno
número da colônia alemã do Pinhal (Itaara), assentada nove anos antes. Segundo
o Pastor KOPP (1914), havia 105 sócios na data da fundação da Comunidade. Referia-se
aos sócios contribuintes, na maioria chefes de família, o que permite supor um
total próximo de 400 pessoas, número relevante quando viviam menos de 6.000
habitantes em todo o Município.
O dia da fundação, 8.4.1866, era
domingo, e o culto foi celebrado, na casa de reuniões da Comunidade, pelo Pastor
Dr. Georg Hermann Borchard, pároco de São Leopoldo. Enviado ao Brasil pelo
Conselho Superior Eclesiástico de Berlim, em 1864, o Pastor Borchard era a
maior autoridade da Igreja Evangélica no sul do país.
Documento
fundamental
Em pesquisa no Arquivo Histórico do RGS,
em Porto Alegre, em 1996, encontramos o registro da ata de eleição do Pastor Hugo
Alexander Klein. Esse registro é a prova documental irrefutável da data de
fundação, também afirmada por KOPP (1914).
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Wilhelm Fischer, o famoso boticário alemão, foi o 1º Presidente |
Trata-se de documento único, de
importância fundamental para a história da Comunidade, tendo em vista a
destruição, durante a Segunda Guerra Mundial, de toda a documentação da fundação
e das sete décadas seguintes. Conhecida na cidade como a “igreja dos alemães”,
o templo e a casa pastoral foram atacados, em 19 de agosto de 1942, em
decorrência dos movimentos antigermânicos. Toda a documentação registral
referente a batismos, confirmações, casamentos e óbitos, a biblioteca e outros documentos
foram queimados na via pública. Foi assim cometido um crime contra a memória
local, transformando em cinzas 76 anos de história.
A ata de eleição do Pastor Klein revela
a primeira diretoria da Comunidade Evangélica Alemã de Santa Maria, quando cita
que aquele “diploma vai assinado pelo
Presidente e os
mais Mesarios. Santa
Maria, 8 de
Abril de 1866. – Guilherme Fischer, Presidente –
Theodoro Poettcke, Secretario – Heinrich Eggers – Philipp Schirmer – Abraham Cassel – João Heinrich Drustz.” (na verdade Druck)
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1º sinete da Comunidade e assinatura
do Pastor Klein, no certificado de Con-
firmação de Peter Falkenberg, em 14.4.1867
|
Mesário era o membro da mesa ou seja, da
diretoria de uma associação. Se para a eleição do Pastor já existia a mesa,
citando presidente, secretário e demais dirigentes, é porque essa diretoria já
fora eleita, certamente na primeira parte da mesma assembléia.
A ata foi transcrita na Secretaria do
Governo da Província, em Porto Alegre, com o fim específico de obter o registro
do Pastor. Atendia, assim, a Lei no 1.144 de 1861,
regulamentada pelo Decreto do Imperador D. Pedro II, no 3069,
de 17.4.1863, que dispunha sobre o registro civil dos não-católicos. Estabelecia
as condições para que “pastores das religiões toleradas” pudessem praticar seus
ofícios religiosos, “susceptíveis de produzir efeitos civis.”
A citada ata é também valiosa porque revela os principais líderes, na época da fundação, conduzidos à direção da Comunidade.
A citada ata é também valiosa porque revela os principais líderes, na época da fundação, conduzidos à direção da Comunidade.
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Desde a esquerda: Philipp Jacob Schirmer e Abraham Cassel, diretores. Johann Heinrich Druck, tesoureiro. |
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Fontes:
Arquivo pessoal.
Arquivo pessoal.
BELÉM, João. História do Município de Santa Maria. Porto Alegre: Selbach, 1933.
BRENNER, José Antonio. “Os Primórdios da Comunidade Evangélica Alemã de Santa Maria”. Revista do Inst. Histórico e Geográfico de S.Maria. Nº 6, 1999.
BRENNER, José Antonio. “Os Primórdios da Comunidade Evangélica Alemã de Santa Maria”. Revista do Inst. Histórico e Geográfico de S.Maria. Nº 6, 1999.
KOPP, Paul Friedrich. “Chronica da Parochia Evangelica
Allemã de Santa Maria”. Revista
Commemorativa do Centenario de Santa Maria, em 1914
MÜLLER, Armindo L. “O começo da Igreja Evangelica no Vale do
Rio Pardo”. Simpósio de História da Igreja. São Leopoldo: Rotermund
S.A./Editora Sinodal, 1986.
5 comentários:
Obrigada por compartilhar conosco suas pesquisas... Seu gosto pela história é contagiante!
Obrigada por compartilhar conosco suas pesquisas... Seu gosto pela história é contagiante!
Obrigado meu Professor - Dr Brenner - pelos ricos comentários.
10 de abril de 2016
Professor Brenner, saudações.
Primeiramente, peço desculpas por escrever aqui sobre um assunto não relacionado ao post.
Gostaria de saber se desde a publicação do teu livro a Saga dos Niederauer houve algum avanço nos estudos genealógicos referentes a segunda leva. Especialmente em relação ao Fellipe Niederauer (2º) e a sua filiação a partir do Georg Henrich. No teu livro ainda não havia certeza disso. Ouvi dizer que tem um livro do senhor Ondy Niederauer que possui algumas informações adicionais desse Henrich. Sabe se esse Henrich citado pelo Ondy é, definitivamente, o mesmo Georg Henrich que consta na Saga dos Niederauer e pai do Felippe (2º)?
Também gostaria de saber se tens conhecimento de onde posso conseguir esse livro do Ondy sobre os Niederauer.
Abraço.
Meu tataravô por parte de mãe era o Pastor Hugo Alexander Klein, primeiro pastor de Santa Maria.
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