Foto de Venancio Schleiniger, publicada na Revista do Centenario, em 1914. |
No século passado, chamavam de palacete as edificações assobradadas, construídas com algum requinte, até mesmo clubes e agências bancárias. Em Santa Maria, nenhuma outra edificação, originalmente residencial, merece tanto essa denominação quanto o sobrado que o Dr. Astrogildo Cesar de Azevedo mandou construir, para residência de sua família e seu consultório médico.
O proprietário
Astrogildo Cesar de Azevedo nasceu em Porto Alegre, em 30.1.1867.
Formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1889, e no ano
seguinte, estabeleceu-se como médico, em Santa Maria. Em 18.7.1894, casou com a
santa-mariense Aura Becker Pinto, filha do médico Pantaleão José Pinto e neta
do imigrante alemão Nicolau Becker. O Dr. Pantaleão foi o primeiro
santa-mariense formado em curso superior.
Em meados da
primeira década do século passado, a família do Dr. Astrogildo instalou-se em
uma casa da Rua do Acampamento, nº 8, que foi demolida, em 1912 para dar lugar
ao palacete.
Ele liderou as ações para a criação do Hospital de Caridade,
inaugurado em 7.9.1903, e o dirigiu, por 43 anos, até seu falecimento, em 1946.
No centenário do nascimento de seu criador, a instituição foi denominada
Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo.
Dr. Astrogildo, aos 46 anos. Foto de Venancio Schleiniger na Revista do Centenario. |
Atuou na política santa-mariense, onde foi chefe do Partido
Republicano Riograndense. Aos 24 anos,
em 6.11.1891 foi eleito para o primeiro Conselho Municipal da era republicana,
mas, 47 dias depois, renunciou com os
demais conselheiros, por não reconhecerem a legitimidade do governo estadual, o
“Governicho”.
Foi vice-intendente, de 1909 a 1912 e, em 1916, foi eleito
Intendente Municipal. Tal era seu prestígio, que a oposição não apresentou
candidato. Em sua gestão, tomou as medidas para implantar o saneamento da
cidade, antiga aspiração e necessidade dos santa-marienses. Contratou o
engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, mas não pôde iniciar as obras, pois,
devido a acusações injustas, renunciou na metade de seu mandato, perdendo a
cidade um administrador qualificado e diligente.
Em 1913-14, o Dr. Astrogildo foi presidente da comissão de
festejos do centenário da elevação de Santa Maria a Capela Curada, citado então
como de fundação da cidade. Organizou a Revista
Commemorativa do Centenario, com 2.000 exemplares, uma obra fundamental da
história santa-mariense.
Assinatura no registro de nascimento da filha Aracy. Ele assinava Cesar, com "s". |
Arquitetura do Palacete
O ilustre arquiteto alemão Theodor Wiederspahn tem sido
citado, em bibliografia recente, como autor do projeto, entretanto nenhuma
prova documental dessa autoria é conhecida. A história oral familiar menciona
que a obra fora executada pela empresa do Eng. Ahrons, de Porto Alegre, cujo
departamento de projetos tinha Wiederspahn como responsável, de 1908 a 1915,
período em que o palacete foi projetado e construído.
Paulo Emílio de Azevedo Klumb, já falecido, neto do Dr.
Astrogildo, em trabalho de distribuição limitada, intitulado Astrogildo César de Azevedo – dados
biográficos, datado de 1996, escreveu que “o imóvel foi projetado e
construído pelo escritório de engenharia de Rodolfo Ahrons”. Essa empresa mantinha escritório filial em
Santa Maria, a cargo do arquiteto Henrique Schütz, e executara, um ano antes, o
edifício da agência do Banco da Província, já demolido, quase em frente ao
Palacete.
Theo Wiederspahn (E), aos 60 anos, em foto de Otto Schönwald, e Rudolph Ahrons em foto de Virgilio Calegari. |
Theodor Wiederspahn nasceu em 19.2.1878, em Wiesbaden e
formou-se na Königliche Baugewerbeschule,
Real Escola de Construção, em Idstein, 20 km ao norte de sua cidade natal.
Quando se fixou em Porto Alegre, aos 30 anos, trazia uma considerável bagagem
de experiência profissional. São de sua autoria valiosas obras do patrimônio
edificado, na capital e em algumas cidades do interior. Em Santa Maria, as
agências do Banco do Comércio (hoje Caixa Federal), do Banco da Província
(demolida) e o Clube Caixeiral.
Nas despesas da obra, o Dr. Astrogildo não registrou
qualquer lançamento referente a honorários pelo projeto e pela execução. Há
apenas três itens referentes à “administração”, somando 3 contos e 500 mil
réis, e após o final da obra, um pagamento de um conto de réis a “Schutz (por
conta)”.
Guardo em meu acervo, uma valiosa peça do projeto com o
desenho da fachada principal, em elevação e corte, que me foi doada por Marina
Klumb Dallasta, neta do Dr. Astrogildo. O desenho não contém qualquer inscrição
referente à autoria, certamente porque não era uma peça gráfica acabada. Esse
desenho da fachada foi comparado com trabalhos do acervo Wiederspahn, na
PUC/RS, pelo arquiteto Alessandro Diesel que encontrou identidade na
representação gráfica, tanto no traçado como nas legendas.
Desenho da fachada principal. Platibanda, janelas do 2º pavimento e vários detalhes foram executados de forma diferente. |
O estilo se insere
no Ecletismo, movimento predominante em Arquitetura, desde meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX, que consistia na composição com elementos de estilos arquitetônicos do passado para a criação de uma nova linguagem. Em Porto Alegre e em cidades do interior, o Ecletismo encontrou um grande representante em Theodor Wiederspahn.
Os indícios acima citados e a história familiar possibilitam aceitar a hipótese da autoria de Wiederspahn, porém não forma conclusiva, na ausência de documento probatório.
(continua)
4 comentários:
José Antonio, obrigada por me permitir saber mais sobre a cidade onde vivi minha adolescência e idade adulta. Parabéns! Suas postagens são magníficas.
um abraço Zélce M.
Obrigado, Zélce, uma opinião qualificada, como a tua, me estimula. Sabes, tanto como eu, como a pesquisa exige longas horas de dedicação.
Grande abraço
Feliz em ler com tanta propriedade sobre minha terra. Hoje vivo tão longe, mas com a certeza de que o passado está em ricas mãos. Parabéns por este trabalho e obrigada por compartilhar pela internet.
Lisiane
Parabéns pelo relato. Sou Santamariense e tenho uma dúvida. Está casa não pertenceu posteriormente a família Beleza?
Cordial abraço.
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