segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Pelouse Dr. Lamartine

Desde quando foram estabelecidas suas primeiras regras, no século XIX, o tênis era jogado em quadras de grama. O primitivo nome inglês lawn-tennis significa, literalmente, tênis em gramado. Em francês, gramado é pelouse, denominação que era usada para a quadra de tênis. Em Santa Maria, desde a inauguração da primeira quadra do A.T.C., em 1917, na Av. Rio Branco, nunca houve quadra de grama, mas de terra batida. Entretanto, desde o início e durante muitos anos, as quadras do clube eram chamadas pelouses. A expressão francesa havia se incorporado ao esporte, como sinônimo de quadra de tênis.
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A partir da inauguração de sua terceira sede, em 15.12.1923, na Praça do Mercado, a atual Saturnino de Brito, o Avenida Tênis Clube passou a denominar suas quadras de tênis, em homenagem a ateceanos ilustres. A quadra nº 1 foi denominada “Pelouse Dr. Azevedo”, em reconhecimento ao trabalho do engenheiro Antonio Rodrigues de Azevedo, presidente do clube, na construção da sede.

Seis anos depois, o clube decidiu homenagear o médico Lamartine Souza, dando seu nome à quadra nº 3.

Lamartine Souza
Dr. Lamartine - Recorte de foto
na inauguração da sede, na Praça
da República, em 18.10.1931.
Nasceu em Santa Maria, em 18 de novembro de 1896, filho de Cândido Francisco de Souza e Porfíria Brinckmann de Souza. Pelo lado materno, era neto do alemão Carl Ferdinand Otto Brinckmann que veio ao Brasil como oficial Brummer e se fixou em Santa Maria como agrimensor.
Lamartine formou-se médico, em dezembro de 1919, pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Seu anel de grau foi um presente de sócios da Soc. União dos Caixeiros Viajantes a seu pai, Candido Souza – o presidente fundador –, na comemoração do 6º aniversário da sociedade, em 20 de setembro daquele ano.
Lamartine casou com Francisca Rosa Campos – que preferia ser chamada Chiquinha –, com quem teve os filhos Berenice e Graciano.
D.ª Chiquinha, como era conhecida e por todos chamada, era talentosa desenhista e caricaturista. O A.T.C., órgão do clube, na edição de 6.9.1934, publicou uma caricatura de Lamartine de autoria de Chiquinha Souza, que assinou C. S.
A legenda da caricatura cita os dois principais tenistas do A.T.C. Lamartine Souza, campeão até 1933, e Ennio Brenner, que o sucedeu como campeão.Lamartine começara a jogar tênis no Avenida, quando ainda era estudante de Medicina em Porto Alegre. Durante o período de férias, em 1918, ele começou a frequentar a quadra do A.T.C, em sua primeira localização, na Av. Rio Branco, tendo, logo depois dos primeiros treinos, vencido os jogadores antigos que o instruíam.
Após formar-se em Medicina, ele instalou seu consultório em Santa Maria, em 1920. No primeiro campeonato interno organizado pelo clube, naquele ano, Lamartine sagrou-se campeão.
Nos muitos torneios que o A.T.C. disputou com clubes de outras cidades do Estado, o campeão atuou com invulgar brilho, conquistando com elevados escores a vitória para o seu clube. Consolidou assim um esplêndido conceito nos meios tenísticos estaduais.

Dirigente do A.T.C.
Além de campeão, Lamartine Souza exerceu vários cargos administrativos no A.T.C.
Aos 25 anos de idade, em 1922, foi eleito vice-presidente.
Quando foi criado o cargo de diretor esportivo, Lamartine foi aclamado pela assembleia geral de 12.8.1923, para exercer a função.
Em 1926, serviu como 1º secretário, e em 1928 e 1930, integrou o Conselho Fiscal. Foi novamente vice-presidente, em 1932.
Mais uma vez eleito vice-presidente do clube, na assembleia geral de 3.3.1934, assumiu a presidência quando o titular desse cargo, o advogado João Bonuma, renunciou em razão de sua mudança para Porto Alegre. Por motivos não esclarecidos, em dezembro daquele ano, Lamartine pediu demissão de seu cargo de vice-presidente em exercício da presidência, no que foi seguido pelo diretor esportivo Carlos Lang. Isso motivou uma assembleia geral extraordinária, em 28.12.1934, no Clube Comercial, presidida por João Appel Lenz. A assembleia aclamou então uma nova composição da diretoria com Lamartine Souza como presidente e Carlos Lang como diretor esportivo, com mandato até março do ano seguinte, quando houve eleição ordinária.

A homenagem
Na sessão de diretoria de 11 de novembro de 1929, sob a presidência de João Appel Lenz, foi decidido, conforme a ata nº 59, “realizar-se no dia 15 do corrente a inauguração da pelouse n° 3 – Pelouse Dr. Lamartine –, em homenagem ao nosso campeão e abnegado consócio, pela brilhante atuação com que há longos anos vem mantendo o prestigio esportivo do A.T.C.”
O Diario do Interior noticiou a decisão, na edição de quinta-feira, 13.11.1929, pág. 2:


Desde a construção da sede na Praça do Mercado, em 1923, o clube tinha três quadras de tênis. A 3ª quadra ficava junto à Rua Duque de Caxias e, após alguns anos, arruinada pelo tempo, ficou sem uso. Em 1929, em razão do grande movimento desportivo então intensificado por muitos sócios novos, na maioria jogadores, a direção do clube deliberou reconstruir a quadra nº 3.
A festa desportiva de 15 de novembro de 1929 foi organizada para inaugurar a reconstrução da quadra 3.
Diario do Interior, 15.11.1929 (trecho)
Foi realizado um grande torneio de tênis, dedicado ao valoroso antigo campeão do Avenida, com a participação de cinquenta tenistas, em partidas jogadas nas três quadras.
Em fotomontagem, a placa denominativa
no cercamento de tela da quadra nº 3.
O Diario do Interior, em 15.11.1929, destacava ser a primeira vez, no Estado, que em uma sociedade de tênis tão elevado numero de tenistas jogavam em um mesmo dia. Isso quando a população da cidade era de cerca de 17.000 habitantes.
Quando o Avenida Tênis Clube mudou para a Praça da República a sua sede, inaugurada em 21.6.1931, as denominações das quadras foram também transferidas, sendo assim mantidas as homenagens a Antonio Rodrigues de Azevedo e Lamartine Souza. No novo local, mais uma quadra foi denominada, a “Pelouse Dr. Leggerini”, em reconhecimento ao engenheiro João Baptista Leggerini, presidente do A.T.C. que enfrentou com sucesso a difícil tarefa da mudança da sede.
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Vinte e oito anos depois, quando o clube instalou sua nova sede, no local onde hoje se encontra, as placas denominativas foram excluídas, desrespeitando as homenagens antes prestadas. As denominações das quadras com os nomes de Azevedo, Lamartine e Leggerini foram indevidamente suprimidas.

Em minha gestão na presidência do clube (1969-70), orgulho-me da iniciativa de o A.T.C. conceder a Lamartine Souza o título de sócio benemérito. O título foi entregue ao antigo campeão, em sua residência, por uma comissão de dirigentes ateceanos.
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Fontes:
Acervo pessoal.
Arquivo Histórico Municipal de S. Maria: Diario do Interior - Edições 13.11.1929 e 15.11.1929.
A.T.C., órgão do clube, edição de 6.9.1934.
Livro nº 1 de atas do A.T.C. 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A noite em que toquei na OSPA

Uma foto encontrada em meus arquivos lembrou-me de minha participação em um concerto da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre – a OSPA.

   No período de quatro anos, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre-OSPA, sob a regência do maestro Pablo Komlós, realizou três concertos públicos, no antigo Auditório Araujo Vianna, tendo no programa a Abertura 1812, de Tchaikovsky. Esses concertos ocorreram em dezembro de 1951, em 24 de janeiro de1954 e em 13 de fevereiro de 1955. O auditório estava situado na área hoje ocupada pelo Palácio Farroupilha, sede da Assembleia Legislativa.
Antigo Auditório Araujo Vianna, junto à Praça da Matriz. Na área à direita
da concha acústica, foram instalados os canhões do CPOR/PA.
   Com projeto arquitetônico, projeto estrutural e execução pelo engenheiro italiano Armando Boni, radicado em Porto Alegre, o auditório foi inaugurado em 19.11.1927. Tinha um palco com concha acústica de concreto armado, à esquerda do Theatro São Pedro, e plateia com bancos de cimento que se estendia na aclividade natural do terreno, cercada por pérgulas, até a Rua Duque de Caxias. A platéia tinha capacidade para cerca de 1300 pessoas sentadas.
   O antigo Auditório Araujo Vianna esteve em atividade por 31 anos, sendo demolido em 1958, para dar lugar ao Palácio Farroupilha.
   O concerto de 13.2.1955
   O espetáculo musical foi noticiado pelo Correio do Povo, edição de 13.2.1955, em sua seção Notas de Arte, dando destaque para a Abertura 1812, para cuja execução a OSPA contou com o acréscimo de mais 20 músicos, da banda de música da Brigada Militar e de alunos do Curso de Artilharia do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre-CPOR/PA.
Correio do Povo, Porto Alegre, edição de domingo, 13 de fevereiro de 1955.

   O programa era composto por: Giuseppe Verdi: La Forza del Destino (Ouverture)Tchaikovsky: Suíte Quebra Nozes; Franz von Supée: Cavalaria Ligeira; Oscar Lorenzo Fernandez: Batuque; e Tchaikovsky: Abertura Solene 1812.
   Abertura Solene 1812
   A peça musical de encerramento, a Abertura Solene 1812, de Pyotr Ilitch Tchaikovsky, foi o grande destaque do concerto
   A composição dessa obra orquestral foi encomendada a Tchaikovsky para a abertura da Exposição Universal de Artes, realizada em Moscou, em 1882, quando eram comemorados os 70 anos da derrota do grande exército de Napoleão, na invasão francesa à Rússia, em 1812.
Pyotr Ilitch Tchaikovsky
   A estrutura da obra se organiza na contraposição entre a inicial vitória francesa e a posterior reação russa. Contrapõe o tema de La Marseillaise, hino da Revolução Francesa, e fragmentos do folclore e temas religiosas russos. Finaliza pelo triunfo russo, representado por um diminueto do hino czarista Deus Salve o Czar, sinos e troar de canhões. Quando a peça é executada em ambientes fechados, o estrondear de canhões é produzido por tímbales.
   A abertura da Exposição Universal de Artes coincidiu com a consagração da nova Catedral de Cristo Salvador, cujos sinos participaram do concerto de estreia. A catedral fora erigida para comemorar a vitória russa sobre o exército napoleônico, em 1812.
   A Abertura Solene 1812 finalizou de forma emocionante o grande concerto da OSPA, naquele verão de 1955.

   Artilheiros do CPOR
   Para a execução da Abertura 1812, no concerto de 13 de fevereiro de 1955, houve a participação  do Curso de Artilharia do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre – CPOR/PA. Eu era então aluno do 2º ano do Curso de Artilharia no CPOR/PA, cujo sistema era de Artilharia Montada, isto é, com condutores montados a cavalo e os canhões tracionados também por cavalos.
   Naquela tarde de domingo, nos deslocamos do CPOR/PA, Rua Correa Lima, no Morro Santa Teresa, até o Auditório Araujo Vianna, ao lado do Theatro São Pedro. Um percurso de cerca de 5 quilômetros, conduzindo uma bateria de três canhões Krupp 75 mm e seus armões, tracionados por robustos e indóceis cavalos da raça Percheron.
   Instalamos os canhões em uma área entre a concha acústica do auditório e o teatro, junto a uma balaustrada.
O maestro húngaro Pablo Komlós atuou em Budapeste,
Munique, Praga, Montevidéu e Porto Alegre onde, a partir 
de 1950, assumiu a organização e a regência da OSPA. 
Uma das mais dinâmicas personalidades musicais do RGS.
   No concerto, o maestro Pablo Komlós conduzia a grande orquestra acrescida pelas bandas militares. Um maestro auxiliar ‘regia’ os canhões, com a partitura à frente, comandando cada tiro, enquanto nós, atentos aos movimentos de sua batuta, dávamos os tiros. Apesar dessa atenção, um dos colegas detonou fora de tempo: o tiro saiu desafinado.
   O final do concerto foi vibrante. O grande público que lotava a plateia do Auditório Araujo Vianna, ao troar dos canhões, com surpresa, levantou-se entre emocionado e assustado. Muitos pareciam preocupados sobre o que seria atingido, já que os canhões estavam voltados para a parte mais central da cidade. Evidentemente, eram tiros de festim, somente pólvora, mas com estrondo igual ao do tiro real.
   Em O Obus, periódico do Curso de Artilharia, produzido pelos colegas Raul Machado e Bernardo Kamergorodski, o concerto foi noticiado como parte principal do programa de acolhimento a uma caravana turística de cariocas e paulistas:
O Obus, edição nº 2, ano letivo 1954-55, pág. 9.
   O período contínuo, citado na notícia, referia-se aos meses de janeiro, fevereiro e julho, quando não tínhamos aulas na Universidade e nossas atividades no CPOR eram realizadas de segunda a sexta-feira, em dois turnos.
   Assim como eu, meus colegas artilheiros Aluísio Saggin e Fernando Carlos Becker lembram-se muito bem de terem "tocado canhão" na OSPA, 60 anos atrás.

Para ouvir a Abertura Solene1812, de Tchaikovsky, acesse 
https://www.youtube.com/watch?v=-BbT0E990IQ

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Fontes:
Acervo pessoal.
Arquivo Histórico Municipal de S. Maria - Correio do Povo, Porto Alegre, edição de 13.2.1955.
Aluísio Bittencourt Saggin, Gravataí.
O Obus, ed. nº 2 do ano letivo de 1954-55 - acervo de Werner Bittelbrunn, Cachoeira do Sul.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abertura_1812
http://www.ospa.org.br/?page_id=981
http://en.wikipedia.org/wiki/Cathedral_of_Christ_the_Saviour