As notícias sobre a recente intervenção no jazigo de Pedro Maximiano Nagel, como parte do projeto Informação lapidar, despertaram a atenção para a importância de nosso principal "campo santo" santa-mariense.
O banco de dados resultante certamente será de grande valor para a pesquisa sobre a história das famílias e seus personagens, e da Arquitetura e da estatuária funerária da cidade. As ações do projeto se concentram na área do outrora cemitério da Comunidade Evangélica Alemã, integrado no Cemitério Municipal, que contém alguns dos mais antigos sepultamentos de Santa Maria.
Esse importante projeto tem a coordenação da professora Fernanda Kieling Pedrazzi, do Curso de Arquivologia/UFSM.
João Alberto Licht Teixeira no trabalho de limpeza da imagem. fotos Diário de S. Maria/Jean Pimentel |
História
O Cemitério Municipal de Santa Maria tem raízes no
cemitério da antiga Comunidade Evangélica Alemã. Seis anos antes de sua fundação,
alemães e descendentes que professavam a religião luterana obtiveram, em 1860,
um terreno de aproximadamente dois mil metros quadrados para instalar o
Cemitério Evangélico.
Naquele ano, Pedro Cassel, em
nome dos alemães luteranos locais, perguntou à Câmara de Vereadores, conforme os
termos do registro em ata, se estavam “devolutos
uns terrenos, que pretendiam o Suplicante e outros Sectários de uma Religião
diversa da do Estado, para a fundação de um Cemitério privativo deles.” A
Câmara julgou que “o lugar indicado pelo Suplicante” não era apropriado “por
estorvar o aumento da povoação...” e indicou a coxilha onde hoje está o
cemitério. O Presidente da Província concedeu então o terreno no local indicado,
um quadrado de 44 metros
de lado. A estrada à frente da área é a atual via central do Cemitério
Municipal.
Havia cerca de 10 anos que os
sepultamentos não eram mais feitos no Cemitério da Capela, junto ao primitivo
templo católico, de frente para o espaço destinado à praça central. O cemitério
da cidade passara a ser o denominado “Santa Cruz”, próximo à atual Igreja do
Rosário.
Os dois cemitérios permaneceram lado a lado,
cercados por seus muros por longos anos. Com o passar do tempo, o cemitério
público envolveu o evangélico, estendendo-se para a frente, até a esquina onde
hoje está sua entrada principal. O antigo cemitério evangélico alemão de
Santa Maria foi desapropriado pela Prefeitura Municipal, durante a Segunda
Guerra, sem ressarcimento à Comunidade a que pertencia.
Patrimônio cultural
Cemitérios não são apenas locais para sepultamentos.
Em diversas regiões turísticas do mundo, fazem
parte do roteiro histórico de visitação. Um exemplo destacado é o cemitério Père-Lachaise, o maior de Paris e um dos
mais famosos do mundo, onde estão sepultadas celebridades de diversas épocas
históricas.
Nesses locais são identificados elementos que demonstram a história social
e artística da região, através da estatuária, das obras arquitetônicas, das
inscrições lapidares e dos símbolos encontrados nos túmulos, valorizando a
preservação desse imenso patrimônio público, que ficaram conhecidos como
“museus ao céu aberto”.
O
Cemitério Municipal de Santa Maria é um dos mais importantes do interior. É um
“museu a céu aberto” local, onde visitantes de quaisquer procedências podem
conhecer os túmulos de personalidades ali sepultadas e a arte tumular local dos
séculos XIX e XX.
No final do século XIX e início do século XX, o cemitério
de Santa Maria, considerando o
público e o evangélico, foi enriquecido com muitas obras de arte funerária de
alta qualidade. A execução dos jazigos, com belas esculturas e lápides em
mármore, foi muitas vezes, confiada a marmorarias que empregavam o trabalho de
artistas e artesãos de reconhecido talento.
No período citado, a mais importante foi a
marmoraria de Jacob Aloys Friederichs, no Caminho Novo (Rua Voluntários da
Pátria), em Porto Alegre. Nascido em 1868, em Merl sobre o Rio Mosel, Aloys
viera para o Brasil, em 1868, e aprendera o ofício com seu irmão Miguel, que
fora ornamentista da Catedral de Colônia, na Alemanha. Entre o final do século XIX
e início do XX, Aloys introduziu grande desenvolvimento à sua oficina com a
melhor maquinaria da época e talentosos artistas, ampliando a produção no campo
da estatuária e da ornamentação na arquitetura sacra, profana e funerária, para
a Capital e interior do Estado. A
demanda por seu trabalho, em Santa Maria, foi de tal forma intensa que ele
abriu uma filial na cidade, anunciando no jornal O Estado, em fevereiro de 1902, sua“oficina de mármores e cantaria,
na Rua do Comércio nº 72” ,
na atual terceira quadra da Rua Doutor Bozano.
Preservação
A Prefeitura
Municipal de Santa Maria efetuou, em 2006, o recadastramento das sepulturas
existentes no Cemitério Público Municipal.
Considerando que tal prescrição
municipal não tenha se efetivado para muitos jazigos de famílias
santa-marienses que não têm descendentes residentes na cidade, surge a
preocupação quanto ao destino dos jazigos. Há personagens da história de Santa
Maria, cujo valor foi reconhecido em homenagem materializada em suas
sepulturas.
Um caso emblemático é o Dr.
Victor Teltz, médico alemão que viveu em Santa Maria , no início do século passado,
conquistando um grande número de amigos e admiradores, por sua qualidade
profissional, sua atitude como médico humanitário e por sua conduta no meio
social local. Sem parentes no Brasil, sua sepultura foi erigida por subscrição
pública, materializando no mármore a gratidão dos santa-marienses. Foi uma
realização comunitária, pertence à cidade.
Jazigo do Dr. Victor Teltz foto J. A. Brenner |
A não identificação ou ausência
de um responsável não poderá justificar a remoção dos objetos de arte funerária
e dos documentos epigráficos, e tal conceito deve estender-se também às
sepulturas recadastradas. As inscrições devem permanecer disponíveis ao
conhecimento dos pósteros; os ornamentos, a estatuária, a cantaria precisam ser
preservadas à apreciação dos visitantes e estudiosos.
Informação lapidar
Durante o
desenvolvimento de sua tese de doutorado, a professora Fernanda Kieling Pedrazzi,
do Curso de Arquivologia da UFSM, idealizou a formação de um grupo que
realizasse o levantamento de dados nos cemitérios. Após ter comentado tal
intenção em sala de aula, foi procurada por João Alberto Licht Teixeira, aluno
do curso, que manifestou seu interesse em apresentar uma proposta, pois já
desenvolvia o seu Projeto Retalhos (http://familiateixeira.com/retalhos.php).
Ele apresentou então um esboço de projeto visando ao levantamento dos dados no
Cemitério Municipal que foi redimensionado, restringindo-se à área do antigo
cemitério evangélico alemão.
Jazigo Nagel após limpeza. foto Fernanda Kieling Pedrazzi |
Com a inclusão de
um pequeno grupo de alunos interessados, o projeto foi rediscutido com a
participação de todos, tornando-se uma verdadeira construção coletiva.
Sob a coordenação
da Prof.ª Fernanda Kieling Pedrazzi, o projeto denominado Informação lapidar foi posto em prática, em uma primeira fase, com fotos e indicações das coordenadas de
cada túmulo, além da catalogaçao das informações para compor um banco de dados.
Atualmente, o trabalho está em fase final da indexação das inscrições das
lápides.
Jazigo de Pedro
Maximiano Nagel
A intervenção nesse secular túmulo foi uma iniciativa de
Alex Scherer Porporatti, aluno de Arquitetura/Unifra. A proposta foi aceita
pelo grupo como uma contribuição à paisagem urbana de nosso “campo santo”, já
que o túmulo, um dos mais belos do antigo cemitério evangélico alemão, encontrava-se
em estado de abandono.
Possivelmente descendente do genearca Peter Nagel, chegado a
São Leopoldo em 1825, Pedro Maximiano Nagel nasceu em 3.10.1854. Em Santa Maria, casou com
Malvina Weinmann, filha do imigrante Franz Weinmam, chegado a São Leopoldo, em
6.11.1825, com 6 anos de idade, em companhia dos pais e irmãos. Pedro Maximiano faleceu com 52 anos de idade, em Santa Maria, em
23.8.1906. Possivelmente nos anos seguintes, a família mandou
erigir o jazigo, pela marmoraria Casa Aloys, como revela a pequena placa
afixada no lado direito da base.
A denominação já existia desde 1891, quando Jacob Aloys Friederichs
comprou a marmoraria de seu irmão Miguel. A Casa Aloys produzia basicamente cantaria
e escultura de imagens e ornamentos de mármore, onde trabalharam os escultores
espanhóis José Martinez Lopes e André Arjonas.
Malvina Weinmann Nagel (1865-1950) e Pedro Maximiano Nagel (1854-1906) |
Não sabemos em que ano, após 1906, foi construído o jazigo
Nagel, com mármore de Carrara, nem o mestre da Casa Aloys que o executou.
Este poderá ser mais um importante item para a pesquisa: a
autoria da estatuária e ornamentos de nosso Cemitério Municipal.
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Fontes:
BRENNER,
José Antonio. Cemitério Municipal- Patrimônio a ser
preservado, A Razão, Santa Maria, quinta-feira,
2.11.2006, p.7.
DOBERSTEIN,
Arnoldo Walter. Estatuários, catolicismo
e gauchismo. Porto Alegre EDIPUCRS, 2002