quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Palacete Astrogildo de Azevedo – Um século (2)

(continuação da postagem anterior)

   Alguns detalhes da construção
   O Dr. Astrogildo registrou, em 33 páginas, as despesas com materiais e mão de obra, que somaram 77 contos de réis.
   Há, nesses registros, algumas informações interessantes. A demolição da casa antiga iniciou em 23.10.1912 e foi rápida, terminando em três semanas. Em 1º de novembro, foi obtida a licença da Intendência para a nova construção e, em 16 de novembro, foi assentada a primeira pedra das fundações.
   Quatro meses depois, já estavam erguidas as alvenarias dos dois pavimentos e estava concluída a estrutura do telhado, pois em março de 1913 foram despendidos 15 kg de carne e 50 garrafas de cerveja, certamente para a tradicional festa da cumeeira. A cobertura, em quatro águas, tinha, em cada uma delas, janelas de mansarda, que não mais existem. Foram usadas placas de cimento-amianto, à semelhança de ardósias, o mesmo material adotado, na época, para o quartel do 7º Regimento de Infantaria, o palacete Theodor Carsten, a casa pastoral da Igreja Evangélica Alemã e outras, todas em 1912 e 1913.
Foram compradas 2.160  placas e 160 cumeeiras da marca Eternit, certamente produzidas na fábrica então existente na Bélgica. A cobertura é coroada por um belvedere cercado com gradis, com acesso interno por escadas e alçapão.
Foto em O Estado do Rio Grande do Sul, 1916, com
a legenda: "Elegante palacete da Rua Acampamento". 

   O portão da entrada de carros e demais grades, foram produzidos na fábrica de carruagens de Luiz Vallandro. Os mármores de Carrara foram fornecidos pela famosa marmoraria J. Aloys Friedrich, de Porto Alegre. A pintura interna decorativa, não mais existente, de paredes e tetos, iniciada em agosto de 1913, foi executada por Werner Wunderling, por 2 contos e 800 mil réis. Antonio Marques de Carvalho, professor de desenho, modelagem e pintura, executou as esculturas da porta da porta principal, por 210 mil réis.    Alguns materiais foram comprados em Montevidéu, como a fachadura Yale da porta principal, 30 outras das postas internas, o para-raios e outras peças.

   Obra pronta
   O Diario do Interior, que circulou em Santa Maria de 1911 a 1939, costumava publicar matérias detalhadas sobre edificações novas de alguma importância na cidade, como ocorreu com a obra do Banco da Província, concluída em dezembro de 1912. Em notícia de primeira página, com foto do prédio bancário, o jornal informa que a “planta e construção foram do Rudolph Ahrons, representado aqui pelo arquiteto Henrique Schütz, que dirigiu todo o serviço.”

Porta principal, esculpida por
Antonio de Carvalho.
   Por isso, chama a atenção o fato de o mesmo jornal não dar igual destaque ao imponente palacete, construído no ano seguinte, quase em frente à citada agência bancária. Leve-se em conta, ainda, a importância profissional, política e social do Dr. Astrogildo e o fato de ele e o dono do Diario do Interior serem correligionários.
   Houve apenas uma pequena nota, no citado jornal, em 12.11.13, informando que  “o palacete do Dr. Astrogildo de Azevedo, em construção à Rua do Acampamento, já está recebendo os últimos retoques.”  
   Um mês depois, Dr. Astrogildo e sua esposa D. Aura, com seus três filhos –  Estella, com 17 anos; Aracy, com 14; e Fernando, com 11 anos – passaram a habitar o novo e confortável lar. Isso foi registrado por ele: “Nos mudamos para a casa no dia 12 de dezembro de 1913”, data que marca o centenário do Palacete Astrogildo de Azevedo.

   
    Comemoração

Recital comemorativo, em 28.11.2013. À direita, Antonio Flores e Diego Ferreira de Azevedo.
   Para comemorar a passagem de um século do palacete, um evento foi organizado por Rodrigo de Azevedo Steffens, bisneto do Dr. Astrogildo. No dia 28 de novembro, no salão principal do prédio, apresentaram-se, em recital de saxofone e cordas, Diego Ferreira de Azevedo, trineto do Dr. Astrogildo, e Antonio Flores, perante uma platéia de diversas gerações da família Azevedo, amigos e convidados. Antecedeu o recital uma breve narrativa sobre aspectos históricos e técnicos do palacete, por José Antonio Brenner.
 
   Em alusão aos cem anos do prédio, cem garrafas de vinho Cabernet Sauvignon 2006, foram encomendadas à Cantina Velho Amâncio com rotulagem especial, comemorativa ao acontecimento.
   Assim, uma das mais expressivas edificações do passado santa-mariense, construída quabndo a cidade tinha apenas 15 mil habitantes, segue preservada. E o centenário de sua existência foi devidamente registrado e comemorado.

Fontes:
WEIMER, Günter. Theo Wiederspahn – Arquiteto. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.
MONTE DOMCQ, Ramón. O Estado do Rio Grande do Sul. Barcelona: Estabelecimento Graphico Thomas, 1916. Acervo Casa de Memória Edmundo Cardoso.
Revista Commemorativa do Centenario de Santa Maria, Porto Alegre: Officinas Graphicas da Livr. do Globo, 1914.
Album de Santa Maria da Bocca do Monte, Porto Alegre: L. P. Barcellos & C., 1914.
Diario do Interior, Santa Maria, edições de 14.12.1913 e 12.11.1913. Hemeroteca do Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria .
Casa de Memória Edmundo Cardoso, Santa Maria, fototeca.
Entrevista com Marina Klumb Dallasta.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Palacete Astrogildo de Azevedo – Um século (1)

Foto de Venancio Schleiniger, publicada na
Revista do Centenario, em 1914.
   No dia 12.12.2013, o Palacete Astrogildo de Azevedo, completou um século de existência. É um dos mais valiosos bens de nosso patrimônio edificado, que abriga, desde 1985, o Museu Educativo da UFSM, na Rua do Acampamento, nº 81.
   No século passado, chamavam de palacete as edificações assobradadas, construídas com algum requinte, até mesmo clubes e agências bancárias. Em Santa Maria, nenhuma outra edificação, originalmente residencial, merece tanto essa denominação quanto o sobrado que o Dr. Astrogildo Cesar de Azevedo mandou construir, para residência de sua família e seu consultório médico.

   O proprietário
   Astrogildo Cesar de Azevedo nasceu em Porto Alegre, em 30.1.1867. Formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1889, e no ano seguinte, estabeleceu-se como médico, em Santa Maria. Em 18.7.1894, casou com a santa-mariense Aura Becker Pinto, filha do médico Pantaleão José Pinto e neta do imigrante alemão Nicolau Becker. O Dr. Pantaleão foi o primeiro santa-mariense formado em curso superior.
   Em meados da primeira década do século passado, a família do Dr. Astrogildo instalou-se em uma casa da Rua do Acampamento, nº 8, que foi demolida, em 1912 para dar lugar ao palacete.
   Ele liderou as ações para a criação do Hospital de Caridade, inaugurado em 7.9.1903, e o dirigiu, por 43 anos, até seu falecimento, em 1946. No centenário do nascimento de seu criador, a instituição foi denominada Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo.
Dr. Astrogildo, aos 46 anos.
Foto de Venancio Schleiniger
na Revista do Centenario
   Atuou na política santa-mariense, onde foi chefe do Partido Republicano Riograndense.  Aos 24 anos, em 6.11.1891 foi eleito para o primeiro Conselho Municipal da era republicana, mas, 47 dias depois,  renunciou com os demais conselheiros, por não reconhecerem a legitimidade do governo estadual, o “Governicho”.
   Foi vice-intendente, de 1909 a 1912 e, em 1916, foi eleito Intendente Municipal. Tal era seu prestígio, que a oposição não apresentou candidato. Em sua gestão, tomou as medidas para implantar o saneamento da cidade, antiga aspiração e necessidade dos santa-marienses. Contratou o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, mas não pôde iniciar as obras, pois, devido a acusações injustas, renunciou na metade de seu mandato, perdendo a cidade um administrador qualificado e diligente.
   Em 1913-14, o Dr. Astrogildo foi presidente da comissão de festejos do centenário da elevação de Santa Maria a Capela Curada, citado então como de fundação da cidade. Organizou a Revista Commemorativa do Centenario, com 2.000 exemplares, uma obra fundamental da história santa-mariense.
Assinatura no registro de nascimento da filha Aracy. Ele assinava Cesar, com "s".
Largo da Rua do Acampamento. Festa do Grêmio Gaúcho, em 1905. Na casa baixa, ao centro, vivia a família do Dr. Astrogildo. Foi demolida para dar lugar ao Palacete. O casarão à direita e seu pátio correspondem hoje ao Edif. Taperinha e Rua Alberto Pasqualini. Pertenciam ao Dr. Pantaleão José Pinto e antes ao seu sogro, o alemão Nicolau Becker. A casa com 3 aberturas em arco era a Farmácia Daudt e, a seguir, a alfaiataria de Friedrich Roth. [foto: acervo Casa de Memória Edmundo Cardoso]

   Arquitetura do Palacete
   O ilustre arquiteto alemão Theodor Wiederspahn tem sido citado, em bibliografia recente, como autor do projeto, entretanto nenhuma prova documental dessa autoria é conhecida. A história oral familiar menciona que a obra fora executada pela empresa do Eng. Ahrons, de Porto Alegre, cujo departamento de projetos tinha Wiederspahn como responsável, de 1908 a 1915, período em que o palacete foi projetado e construído.
   Paulo Emílio de Azevedo Klumb, já falecido, neto do Dr. Astrogildo, em trabalho de distribuição limitada, intitulado  Astrogildo César de Azevedo – dados biográficos, datado de 1996, escreveu que “o imóvel foi projetado e construído pelo escritório de engenharia de Rodolfo Ahrons”.  Essa empresa mantinha escritório filial em Santa Maria, a cargo do arquiteto Henrique Schütz, e executara, um ano antes, o edifício da agência do Banco da Província, já demolido, quase em frente ao Palacete.
Theo Wiederspahn (E), aos 60 anos, em foto de Otto Schönwald, e Rudolph Ahrons em foto de Virgilio Calegari.

   Theodor Wiederspahn nasceu em 19.2.1878, em Wiesbaden e formou-se na Königliche Baugewerbeschule, Real Escola de Construção, em Idstein, 20 km ao norte de sua cidade natal. Quando se fixou em Porto Alegre, aos 30 anos, trazia uma considerável bagagem de experiência profissional. São de sua autoria valiosas obras do patrimônio edificado, na capital e em algumas cidades do interior. Em Santa Maria, as agências do Banco do Comércio (hoje Caixa Federal), do Banco da Província (demolida) e o Clube Caixeiral.
A empresa do Eng. Rudolph Ahrons mantinha filial em Santa Maria, na Rua do Acampamento. Anúncio no Album de Santa Maria da Bocca do Monte, em 1914.

   Nas despesas da obra, o Dr. Astrogildo não registrou qualquer lançamento referente a honorários pelo projeto e pela execução. Há apenas três itens referentes à “administração”, somando 3 contos e 500 mil réis, e após o final da obra, um pagamento de um conto de réis a “Schutz (por conta)”.
Guardo em meu acervo, uma valiosa peça do projeto com o desenho da fachada principal, em elevação e corte, que me foi doada por Marina Klumb Dallasta, neta do Dr. Astrogildo. O desenho não contém qualquer inscrição referente à autoria, certamente porque não era uma peça gráfica acabada. Esse desenho da fachada foi comparado com trabalhos do acervo Wiederspahn, na PUC/RS, pelo arquiteto Alessandro Diesel que encontrou identidade na representação gráfica, tanto no traçado como nas legendas.
Desenho da fachada principal. Platibanda, janelas do 2º pavimento e vários detalhes foram executados de forma diferente.

   O estilo se insere no Ecletismo, movimento predominante em Arquitetura, desde meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX, que consistia na composição com elementos de estilos arquitetônicos do passado para a criação de uma nova linguagem. Em Porto Alegre e em cidades do interior, o Ecletismo encontrou um grande representante em Theodor Wiederspahn.
   Os indícios acima citados e a história familiar possibilitam aceitar a hipótese da autoria de Wiederspahn, porém não forma conclusiva, na ausência de documento probatório.
   (continua)